Já há algum tempo que andava com vontade de conhecer pessoalmente o concelho de Sabrosa. O projeto é antigo, o tempo é finito, e Trás-os-Montes Alto Douro estão cheios de locais bonitos, vilas e aldeias que vale a pena conhecer, tradições que dá gosto reviver e petiscos que apetece provar.
O desafio do Douro foi o ponto forte que finalmente me convenceu a conhecer o concelho de Sabrosa. Programei um passeio por vários concelhos a norte do rio Douro, para percorrer num dia, com a família. O passeio acabou por ser mais curto do que o previsto, mas, isso deveu-se a ficarmos "retidos" praticamente no concelho de Sabrosa, não sobrando tempo para mais nenhum.
Começo por dizer que este concelho era-me totalmente desconhecido. Nunca tinha estado na sede de concelho e muito menos em qualquer das aldeias que o compõe. Sempre que cruzava com uma placa a dizer Sabrosa, num dos concelhos vizinhos, dizia para mim: - Tenho que ir descobrir Sabrosa.
Como quase sempre faço, tracei o percurso no mapa, na Internet. Em linhas gerais entraria no concelho pela estrada CM1337 e sairia pela N322 em direção a São Cibrão, depois de passar pela vila de Sabrosa.
Escolhi esta época do ano na esperança de encontrar os vinhedos pintados de cores quentes, típicas do outono, mas cedo me apercebi que ainda era bastante cedo.
A forma geográfica do concelho é bastante curiosa. Também o recorte, no que toca à fronteira com o vizinho concelho de Alijó chama à atenção. Prece-me que essa fronteira muito recortada se deve ao rio Pinhão, que encontrou o seu caminho há milhares de anos, pelos locais mais profundos das serras, que se elevam acima dos 700-800 metros de altitude. Cheguei vindo de Cheires. Talvez não seja a melhor estrada, mas nunca procuro a melhor estrada, nem a mais rápida, uma vez que o meu objetivo não é chegar rápido, ou com conforto, mas sim conhecer.
Estava um lindo dia de sol, diria até muito quente, uma vez que o suor não deixou de me cair da testa durante todo o dia. As vindimas estão praticamente no começo e ouviam-se ao longe grupos de vindimadores nas encostas. Na berma da estrada há muitos medronheiros, mas os medronhos são poucos. O vinhedos da Quinta dos Corvos permitiram algumas boas fotografias, mas a estrada não tinha muitos locais para se parar com segurança, por isso cheguei rapidamente a Sabrosa.
Tudo era novo e por isso havia muito para explorar. A estrada nacional ou a Avenida dos Soldados da Grande Guerra separa duas parte distintas da vila: uma mais nova, com escolas, outros serviços e residências, outra mais antiga, com casas brasonadas, câmara, igreja e bastante comércio. A torre da igreja é sempre um bom ponto de referência para quem não conhece uma localidade e, normalmente, assinala o núcleo urbano mais antigo. Estacionámos o carro na avenida, talvez menos movimentada por ser sábado, e seguimos a pé pela rua Coronel Jaime Neves. As casas senhoriais são vistosas, mas há outros elementos dignos de interesse para um olhar atento. Encontrámos algumas janelas manuelinas, trabalhos em ferro, humildes casas com varandas tradicionais, etc.
Sabrosa foi onde nasceu o navegador Fernão de Magalhães e esse facto é lembrado a cada esquina da vila. Em frente ao edifício da Câmara Municipal há um monumento de António Quina, que evoca os sonhos de navegar do jovem Fernão de Magalhães que haveria de conseguir a primeira circum-navegação do globo no séc. XVI.
Aproveitámos para visitar a exposição de pintura "Douro: poesia pintada" patente no Auditório Municipal. Belos quadros sobre a região! A exposição merece uma visita.
Quase sem darmos conta o tempo passou e o sino da igreja marcou a horas, Eram horas de almoço! Estava no plano almoçarmos em Peso da Régua! Procurámos um restaurante por perto e almoçámos em Sabrosa. Comemos bem e pagámos uma quantia que nos pareceu justa. Satisfeitos, deixámos gorjeta. Para primeira experiência foi bem positiva. Fiquei a pensar quais serão os pratos tradicionais do concelho.
Enquanto esperávamos para ser servidos fiz a revisão do plano da viagem. O restaurante tinha Internet gratuita, o que veio a calhar.
Em Celeirós do Douro havia a lagarada tradicional. Para estar em Celeirós à hora da lagarada haveria que desistir de tudo o que estava planeado. Como o "programa" já estava mesmo atrasado mais de 2 horas, o melhor foi mesmo esquecê-lo e fazer outro.
Planeei uma volta quase completa ao concelho. Tirando a parte situada mais a norte, poderíamos percorrer todo o concelho e foi isso que fizemos, começando por S. Martinho de Anta, berço de Miguel Torga. Foi uma visita rápida praticamente de reconhecimento, para um dia mais tarde voltarmos. Partimos para sul, em direção ao Douro.
O nosso objetivo primordial eram as vinhas e elas não apareceram logo em quantidade e "qualidade" de imagem, intenda-se, mas à medida que íamos descendo para sul o cenário foi-se alindando. As vinhas acabaram por surgir, ainda repletas de cachos de uvas, em socalcos com desenhos que tornam esta paisagem única.
À passagem por Gouvinhas vimos lá no alto uma das etapas que pretendíamos fazer inicialmente, S. Leonardo de Galafura, mas a paisagem era tão bela que não nos arrependemos das alterações de percurso.
No fundo do vale outro rio segue serpenteando, também ele marcando os limites do concelho, é o rio Ceira. Por esta altura já as paragens na berma da estrada eram constantes, porque a paisagem era deslumbrante e já se avistava o Douro, que surgiu timidamente mas se mostrou depois majestoso.
As quintas suceden-se qual delas a mais vistosa: Quinta do Crasto, nome que sugere a existência de um castro no alto do monte, Quinta Nova, Quinta da Água de Alta, etc.
O calor era intenso quando chegámos perto de Ferrão, onde se inverteria o percurso passando a ascendente.
Quase escondido entre montanhas de pinho surge Covas do Douro. Pensei que não conseguíamos seguir em frente, mas com jeito partimos do Largo da Fonte rumo a Gouvães do Douro. Atravessar a aldeia é um pouco assustador, mas se o é para quem vai de carro, para os habitantes que têm que lidar com os automóveis que por ali passam também não deve ser fácil.
Chegados ao alto da rua da Benjoca(!) tudo retomou a normalidade (pelo menos até chegarmos a localidade seguinte). Em Gouvães do Douro as ruas também não são muito largas e foi grande a surpresa quando demos com um pelourinho no centro da aldeia. Foi sede concelho entre os séc. XII e XIX! Custa a crer que uma aldeia com pouco mais de 100 habitantes tenha tido uma tão grande história, mas é verdade.
A paragem seguinte aconteceu em Provesende. Mesmo sem saber a sua localização o nome não me era completamente desconhecido. O Facebook, apesar de muitas críticas a apontar, também vai dando a conhecer estes e outros locais a pessoas distantes, que nunca os foram conhecer, nem irão. Como tenho muitos "amigos" e acompanho milhares de páginas da região vou sabendo de coisas que vão acontecendo um pouco por todo o distrito de Bragança e de Vila Real.
Provesende foi a cereja no topo do bolo deste passeio. Ninguém deve estranhar se disser que adorei descobrir esta localidade. Também esta aldeia foi sede de concelho e tem ainda bem conservado o Pelourinho. Gostei de ver o esmero com que as pessoas cuidam das casas, mantêm as ruas limpas, cuidam dos espaços e sabem acolher quem os visita. Despendemos bastante do nosso tempo a percorrer as ruas da aldeia a pé. Foi muito agradável.
Já com a tarde a chegar ao fim rumámos àquele que seria a última paragem do nosso percurso, Celeirós do Douro. Não estava à espera de uma festa tão grande, nem de tanta alegria e entusiasmo. Fez-me recordar um passeio recente a Mondim de Basto, talvez pelos grupos de concertinas, pela forma como as pessoas comem, bebem, cantam e dançam. Manifestam uma alegria genuína que não encontro com muita frequência.
Aproveitei os últimos raios de sol para fazer um passeio por algumas ruas da aldeia. Havia muitas barraquinhas, que vendiam os mais variados produtos, desde bonitas esculturas em madeira ao pão, tão necessário para acompanhar o vinho que também circulava.
Os lagares, inicialmente calmos, tornaram-se o palco da tão entusiástica lagarada. Crianças e adultos saltaram para o lagar e "pisaram" as uvas com grande entusiasmo. Uns pisavam, outros dançavam, cantavam, ensaiavam jogos de roda, bebiam ou tentavam afastar os mosquitos que também se sentiam atraídos pela doçura. As concertinas não se calavam e o enorme espaço dos lagares era pequeno para tanto entusiasmo. Não consegui libertar-me o suficiente para me descalçar, entrar no lagar e participar a 100% por cento da festa. Confesso que senti vontade.
Ao cair da noite, quando ainda a festa estava a aquecer, partimos para Sabrosa, a fim de regressarmos a casa. Ainda havia bastantes quilómetros para fazer e com o IC5 em obras, teria que somar mais alguns antes de chegar a casa.